Estudo demonstra o papel positivo da atividade física na doença pulmonar: Exercícios aeróbicos atenuam ou revertem inflamação provocada pela asma, desaceleram progressão da doença pulmonar obstrutiva crônica e protegem contra infecções
Exercícios físicos aeróbicos diminuem a intensidade da inflamação na asma e a progressão da lesão dos pulmões na doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Esses dados – de grande relevância para os portadores das referidas enfermidades, bem como para o sistema de saúde em geral – foram demonstrados, pela primeira vez, pelo projeto temático “Efeitos do ambiente e do estilo de vida sobre a asma e a doença pulmonar obstrutiva crônica: estudos experimentais e clínicos”, coordenado por Milton de Arruda Martins, professor titular de Clínica Médica Geral da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e diretor do Serviço de Clínica Geral do Hospital das Clínicas da FMUSP. O projeto contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
“Nosso projeto procurou enfocar a asma e a DPOC no mundo real. Isto é, considerando os efeitos do tabagismo, da poluição atmosférica e da atividade física – três fatores ligados ao estilo de vida. Demonstramos que o exercício aeróbico atenua ou reverte a inflamação provocada pelo quadro asmático; desacelera a progressão da DPOC, mesmo em tabagistas; e protege contra infecções”, afirma Martins.
O projeto desdobrou-se em quatro estudos principais. O primeiro partiu de um dado que já havia sido registrado na literatura médica, segundo o qual o fumante que faz exercício evolui melhor do que o fumante sedentário, com uma piora da condição pulmonar mais lenta.
“Nossa contribuição pioneira, neste caso, foi desenvolver um modelo animal com camundongos. Parte deles foi condicionada a fazer atividade física aeróbica em esteira, 50 minutos por dia, cinco dias por semana, durante dois meses. E parte foi levada a inalar fumaça de cigarro, em uma câmara especial. Selecionamos, então, quatro grupos de animais, contemplando as quatro combinações possíveis: os que não fumavam nem faziam atividade física; os que fumavam e eram sedentários; os que fumavam e praticavam atividade física; e os que não fumavam e faziam atividade física”, detalhou Martins.
O estudo prolongou-se por seis meses, o que corresponde a um terço ou um quarto da vida dos camundongos, cuja duração é de um ano e meio a dois anos. Esse prazo foi escolhido por analogia com o tempo que uma pessoa precisa para desenvolver DPOC: cerca de 20 anos de tabagismo ativo em uma expectativa de vida de 70 a 80 anos.
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Atividade física
“Constatamos que todos os animais expostos à fumaça do cigarro desenvolveram enfisema pulmonar evidente. Mas aqueles que, embora ‘fumantes’, fizeram atividade física tiveram uma atenuação muito importante no desenvolvimento do enfisema”, informou o pesquisador.
Investigando as causas do efeito protetor do exercício aeróbico em relação ao enfisema, os estudiosos o relacionaram com o aumento da capacidade de o organismo reagir aos fatores oxidantes.
O segundo estudo também foi uma experimentação com modelos animais, enfocando asma e exercício. Em um formato bastante semelhante ao anterior, utilizou camundongos, parte dos quais teve asma induzida por aerossol de ovo-albumina e parte dos quais fez exercícios. Igualmente neste caso, foram selecionados quatro grupos: com asma e sedentário; com asma e praticante de exercício; sem asma e sedentário; sem asma e praticante de exercício.
“Verificamos que os camundongos treinados desenvolveram inflamação pulmonar menos intensa do que os não treinados. E que os animais que começaram a treinar depois de induzida a asma tiveram revertidas muitas das alterações provocadas pelo quadro asmático. Portanto, existe um efeito tanto preventivo quanto retroativo do exercício”, resumiu Martins.
O terceiro estudo, liderado por Celso Fernandes Carvalho, professor de Fisioterapia Respiratória na FMUSP e principal responsável pelos estudos clínicos realizados pela equipe, procurou investigar o efeito protetor do exercício aeróbico contra a asma em humanos.
Voluntários
Para participar desse estudo, foram sorteados voluntários portadores de asma classificada como “moderada a grave”, mas cujos sintomas estavam controlados por meio de medicação com corticosteroides por via inalatória. Eram pessoas que não estavam em crise asmática, portanto.
Sob supervisão médica e acompanhamento de educadores físicos e fisioterapeutas, um grupo fez treinamento aeróbico na esteira, com aumentos de carga e velocidade de acordo com avaliações periódicas. E outro contingente, o grupo controle, também compareceu ao hospital, mas fez exercícios de alongamento e relaxamento, sem atividade aeróbica propriamente dita.
“Comparando os dois grupos, verificamos que aquele que fez atividade aeróbica apresentou melhor qualidade de vida, com menos crises, e melhoria efetiva da inflamação pulmonar. Para avaliar a inflamação, utilizamos duas estratégias não invasivas: a medição da concentração de óxido nítrico no ar exalado e a medição da quantidade de eosinófilos no escarro induzido. Os dois marcadores diminuíram nos portadores de asma que passaram por treino aeróbico. E não diminuíram nos que só fizeram exercícios de alongamento”, descreveu Martins.
Em uma segunda fase do mesmo estudo, foram analisados 43 voluntários que fizeram treinamento aeróbico por 12 semanas. Foi testada a hiper-responsividade pulmonar (isto é, o quanto o indivíduo responde à inalação de bronquioconstritores), que é uma das marcas características da asma, e medidos mediadores inflamatórios no sangue. Tanto a hiper-responsividade quanto os mediadores inflamatórios diminuíram com o condicionamento físico. Ao mesmo tempo, a interleucina 10 (IL-10), que é um agente anti-inflamatório, aumentou.
“Ou seja, verificamos que o efeito não se dá apenas no pulmão. É sistêmico. E, em princípio, pode ser alcançado por qualquer atividade aeróbica (caminhada, corrida, natação, ciclismo etc.), desde que esta atinja o nível considerado moderado. O quarto estudo, finalmente, foi realizado em conjunto com pesquisadores do Instituto Butantan. O objetivo era saber se o condicionamento físico protege ou não contra infecções. “O experimento mostrou que a pneumonia foi muito menos intensa no grupo de animais condicionados – tanto pelas alterações inflamatórias verificadas quanto pelo número de bactérias isoladas nos pulmões”, concluiu o pesquisador.
A equipe do projeto publicou os seguintes trabalhos em periódicos internacionais: Aerobic training reverses airway inflammation and remodeling in asthma murine model; Effects of aerobic training on psychosocial morbidity and symptoms in asthmatic patients: a randomized clinical trial; Effects of aerobic training on airway inflammation in asthmatic patients;
Aerobic exercise attenuates pulmonary injury induced by exposure to cigarette smoke; Exercise inhibits allergic lung inflammation; Effects of aerobic exercise on chronic allergic airway inflammation and remodeling in guinea pigs; Aerobic exercise attenuates pulmonary inflammation induced by Streptococcus pneumoniae; Airway remodeling is reversed by aerobic training in a murine model of chronic asthma; Aerobic training decreases bronchial hyperresponsiveness and systemic inflammation in patients with moderate or severe asthma: a randomized controlled trial.
(José Tadeu Arantes / Agência Fapesp)